No Paraná existe uma grave superlotação nas carceragens de delegacias de polícia. Em 178 unidades existem 9.756 presos, mas a capacidade é de apenas 3.330. A situação é um problema crônico enfrentado em diversos estados brasileiros, que se agravou nos últimos anos. Em 2000 o Brasil era o sexto país latino-americano com o maior número de presos em relação à população, mas depois de 15 anos saltou para a primeira posição.
Diante do problema de falta de vagas nas delegacias e presídios brasileiros, o Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP), órgão ligado ao Ministério da Justiça e Cidadania, publicou a Resolução nº 05/2016, que estabelece indicadores para a fixação de lotação máxima nos estabelecimentos penais.
A resolução recomenda a adoção de algumas medidas, como a implementação de um plano de redução da superlotação em cada unidade federativa, que deve conter metas para garantir o controle da entrada e saída de presos das unidades.
Alguns instrumentos para contenção são realizados pelo Poder Judiciário, como mutirões carcerários. Desde 2011 já foram realizadas 98 dessas ações aqui no Paraná, mas, segundo os magistrados que participam desse tipo de iniciativa, elas são apenas paliativos e não podem se tornar uma regra de trabalho.
A partir da recomendação do CNPCP, o Grupo de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e do Sistema de Execução de Medidas Socioeducativas do Paraná (GMF-PR) elaborou uma proposta específica, com o objetivo de retomar a funcionalidade do sistema voltado para o tratamento penal.
O projeto-piloto “Ocupação Prisional Taxativa” considera que, para poder limitar a liberdade de uma pessoa, é necessário que o Estado antes tenha um controle rigoroso das vagas, que passam a ser individualizadas. “Esse projeto segue o princípio da impenetrabilidade. Dois corpos não podem ficar em um mesmo lugar ao mesmo tempo. Para entrar um, outro deve sair. É uma ideia básica”, afirma o Juiz Eduardo Lino Bueno Fagundes Junior, da 1ª Vara de Execuções Penais de Curitiba, que é coordenador do GMF-PR.
A iniciativa teve início em maio deste ano. As Varas Criminais e de Execução Penal que aderiram ao projeto eram responsáveis pelos processos de 2.465 presos provisórios. Depois de 60 dias o GMF-PR fez um primeiro balanço das ações. O número foi reduzido para 2.006 encarcerados em delegacias, o que representou uma queda de 182,35% para 152% na superlotação.
Vagas individualizadas
Cada Juízo que decidiu aderir sugeriu um determinado número de vagas, de acordo com os processos criminais e com a rotina de trabalho da Vara. “O próprio juiz vai começar a administrar e fazer uma verificação diária do número de vagas e de presos”, explica o Juiz Eduardo Lino. As vagas disponíveis nesses estabelecimentos serão individualizadas, com a combinação de letras e números, seguida do nome do preso e a data de início da ocupação. Aquelas destinadas ao cumprimento de pena são indicadas pelas letras “CD” e as reservadas ao recolhimento de presos provisórios recebem a indicação “PR”. Também estão previstas vagas temporariamente ocupadas por presos a quem se tenha imposto medida de segurança de internação, que serão indicadas pelas letras “MS”. Caso haja excesso da capacidade do estabelecimento, a vaga será identificada pelas letras “EX”.
Uma lista de presos provisórios e outra de presos definitivos estarão disponíveis nos sites do GMF-PR e do Depen-PR, com atualização semanal. As listas serão organizadas em ordem decrescente do tempo de ocupação e também haverá a indicação do juízo responsável pela prisão.
Disponibilidade de vagas
No momento da apreciação e decisão em relação à decretação de prisão, o juiz deverá ter à sua disposição a informação sobre a disponibilidade de vagas. Assim, no caso de cabimento da prisão, o magistrado deve mencionar no mandado a vaga que o preso irá ocupar. Se não existirem vagas, o próprio juiz poderá reconsiderar a prisão de outro réu ou condenado sob sua jurisdição. Para isso deverá avaliar a possibilidade de aplicar alguma medida alternativa, a concessão de indulto ou a possiblidade de sentenciar.
Se esses instrumentos não puderem ser observados, a Vara Criminal ou de Execução Penal poderá consultar o GMF-PR sobre a existência de vaga adicional (com a sigla AD), que só poderá ser utilizada pelo prazo de 30 dias.
Para liberar os espaços de ocupação nos estabelecimentos penitenciários de forma responsável, poderá haver, excepcionalmente, um “regime especial de atuação” por um grupo de juízes, promotores, defensores públicos ou advogados constituídos para revisar de forma geral as vagas de uma ou algumas unidades prisionais.
Fluxo de informações
O projeto também procura preservar o Juiz e o Promotor natural das varas. No entanto, faz com que todos os atores que atuam no sistema trabalhem em conjunto para organizar um fluxo de informações e de ações. Essa característica, segundo o Desembargador Ruy Muggiati, supervisor do GMF-PR, faz com que as vagas sejam ocupadas de um modo racional e organizado. “Há a necessidade de que o juiz saiba a limitação real do sistema. Essa limitação não é dada pelo projeto, mas pela realidade. A mera organização do fluxo de informações e a coordenação das ações que o projeto permite acontecer faz com que as tomadas de decisões se tornem mais adequadas a essa realidade.”
O Desembargador Ruy Muggiati considera que, se não houver respeito ao princípio de uma vaga por preso, não se poderá evitar o tratamento degradante. “A deterioração de um prédio é visível, mas a degradação da pessoa ninguém vê e é algo muito pior. Nós não podemos deixar que se degradem as pessoas dentro desses estabelecimentos”, afirma.
Estão incluídas no projeto 32 Varas Criminais ou de Execução Penal de 21 Comarcas paranaenses. Os estabelecimentos carcerários que participam são as Delegacias de Polícia de cada região, a Casa de Custódia de São José dos Pinhais (CCSJP), a Casa de Custódia de Piraquara (CCP), a Casa de Custódia de Curitiba (CCC), a Penitenciária Estadual de Piraquara e sua Unidade de Progressão (PCE e PCE-UP), o Complexo Médico-Penal (CMP) e as Penitenciárias Estaduais de Piraquara (PEP-I e PEP-II).
Existe um Comitê Especial criado pelo Tribunal de Justiça do Paraná para o acompanhamento do projeto. Foi estabelecido o dia 1º de novembro para o início das avaliações. Como afirma o supervisor do GMF-PR, os resultados até agora têm sido positivos. “Em lugares onde havia um acúmulo crônico de presos provisórios, isso deixou de existir. Mas nós utilizamos uma metodologia e queremos ser rigorosos nessa análise”, explica o Desembargador Ruy Muggiati. A partir da avaliação, ele será entregue à cúpula do Tribunal e poderá ser expandido para outras unidades.
Fonte: CNJ
Por: Sabatti Advogados
Publicado em: 3 de novembro de 2020
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