A primeira instância da Justiça Militar da União (JMU), com sede no Rio de Janeiro, condenou um soldado da Aeronáutica a seis meses de detenção, pelo crime de desacato. O militar conduzia uma motocicleta, na comunidade da Maré, durante operação de Garantia da Lei e da Ordem (GLO), furou o bloqueio do Exército e, na abordagem, proferiu diversos xingamentos contra a tropa.

Segundo os autos, em 19 abril de 2015, por volta das 8h da manhã, um motociclista, ao ser abordado em um ponto de bloqueio que estava sendo realizado na Comunidade da Maré, negou parar sua moto e, adiante, dirigiu aos militares do Exército diversas expressões ofensivas.

Por isso, o Ministério Público Militar (MPM) resolveu denunciar os acusados pela prática de dois crimes: desobediência e desacato, ambos previstos no Código Penal Militar. Ele foi preso em flagrante, onde assim permaneceu por dois dias.

O rapaz, que depois se identificou como soldado da Aeronáutica, foi denunciado junto à Justiça Militar da União.

Uma das testemunhas de acusação disse, em juízo, que estava no ponto de bloqueio no momento dos fatos e era o comandante do Grupo de Combate (GC) e quando abordado, o acusado já iniciou os xingamentos, apresentava sinais de que estava bêbado ou drogado e que somente se identificou como militar da Aeronáutica depois da prisão.

Outro militar do GC, testemunha de acusação, informou que o réu seguia fazendo zigue-zague até chegar próximo ao bloqueio e que sinalizou para que ele parasse. Não foi atendido e o acusado saiu chutando placas e cones.

Condenação por desacato

Durante o julgamento na 2ª Auditoria, em alegações escritas, a promotoria alegou que estava comprovada a prática criminosa e solicitou a procedência da denúncia, com a consequente condenação do acusado.

Por sua vez, a defesa, requereu, no mérito, a absolvição, suscitando a não recepção do crime de desacato pela Constituição Federal de 1988, a inexistência de provas para a condenação e a ausência de dolo (a intenção de cometer o crime).

Ao julgar o caso, o Conselho Permanente de Justiça deu razão parcial à defesa e também ao MPM, ao absolver o réu pelo crime de desobediência e ao condená-lo pelo delito de desacato.

Na fundamentação da sentença, o juiz-auditor disse que não havia prova suficiente de que o réu tenha incorrido no crime de desobediência – o que gerou uma dúvida razoável de sua existência – e, porque, mesmo que houvesse suporte das provas, o agir do militar estaria absorvido pela conduta de maior gravidade, ou seja, pelo desacato.

“Lembrando que o desacato se dá tanto com palavras quanto com gestos (chutar um cone, por exemplo). O complexo fático denota que os vários atos do acusado tinham o claro intento de desrespeitar a tropa, de desprestigiá-la, de desacatá-la, enfim. Já, no que se refere ao crime de desacato, que só pode ser cometido na modalidade dolosa, o mesmo se classifica como formal, exigindo-se que a administração militar, representada pela figura de um de seus integrantes, tenha sua autoridade menosprezada, diminuída, seja por palavra ou por gestos, consumando-se no exato momento em que o indivíduo externa sua vontade depreciativa”, escreveu o magistrado.

O juiz-auditor disse também que não procedia a alegação da defesa de que o crime de desacato não teria sido recepcionado pela Constituição de 1988. “Isto porque as instituições públicas são incumbidas de missões de extrema importância, recebendo, como garantia para o efetivo cumprimento dessas missões a correspondente autoridade. Ora, de nada adiantaria o Estado dotar as instituições de autoridade se não lhe garantisse o respectivo respeito por parte dos cidadãos. A criminalização do desacato tem por finalidade, em última análise, exatamente essa garantia, a do respeito à autoridade, a do respeito à instituição”.

Para o juiz, é certo que a liberdade de expressão deve ser ampla, mas não pode ser absoluta, não pode servir de salvaguarda para o cometimento de ilícitos. “O delito de desacato é compatível com a Constituição da República e não viola qualquer tratado de direitos humanos do qual o Brasil seja signatário.Também não é aceitável a argumentação de que se deve descriminalizar o desacato porque estaria servindo como escudo para o chamado abuso de autoridade”

Assim como qualquer outra prerrogativa, a autoridade deve ser exercida dentro dos limites legais, existindo meios jurídicos de se punir aquele que abusa da autoridade que detém. O crime de desacato previsto no Art. 299 do CPM serve como desmotivador da afronta à autoridade, assim como o crime de abuso de autoridade previsto na lei 4.898/65 serve de desmotivador daquele que extrapola os limites dessa mesma autoridade”.

Em seu voto o juiz também disse que as expressões utilizadas tiveram o nítido caráter de menosprezo à autoridade de que estavam investidos os militares que realizavam a patrulha.

“Embora não haja confissão do acusado, os depoimentos prestados pelos ofendidos e pela testemunha arrolada pelo MPM comprovam a autoria do delito, deixando claro que os insultos partiram do réu, ressaltando que até mesmo este, quando ouvido, confirmou que discutiu com os militares, embora tenha dito que não se lembrava dos termos dessa discussão. Pelo conjunto probatório, restou comprovado que o acusado, em atitude desafiadora, proferiu diversos insultos contra a tropa em serviço, com o claro intento de desrespeitar a autoridade na qual estavam investidos os militares ali presentes”.

Por fim, o juiz fundamentou que não se pode esquecer que os militares do Exército agiam na qualidade de agentes públicos e “o agente público (militar) em operações de GLO é dotado de legitimidade e legalidade para a prática de atos que se relacionam às suas atribuições”.

“Por isso, recebe treinamento específico para, inclusive, enfrentar situações adversas. Nesse mister, suas declarações concernentes a uma prisão em flagrante têm a presunção “juris tantum” de legitimidade e veracidade para constituir o arcabouço probatório com vistas a demonstrar a prática ilícita do flagranteado” .

Da decisão, ainda cabe recurso ao Superior Tribunal Militar (STM), em Brasília.

 

Fonte: STM


Por: Sabatti Advogados

Publicado em: 3 de novembro de 2020

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