Por unanimidade, a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) condenou uma loja de veículos de Minas Gerais a pagar danos materiais a cliente que, seis dias após ter comprado um caminhão usado, envolveu-se em acidente causado pela quebra da barra de direção.
Ao reformar acórdão do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) que havia negado o ressarcimento dos danos provocados pelo acidente, o colegiado reconheceu a ocorrência de defeito gravíssimo em um prazo extremamente curto, configurando o caso de vício oculto. Para a turma julgadora, houve descumprimento do próprio objeto do contrato de compra e venda, já que, embora o caminhão tivesse oito anos de fabricação, era legítima a expectativa do cliente de que o bem tivesse vida útil mais longa.
O relator do recurso do consumidor, ministro Luis Felipe Salomão, afirmou que o vendedor estava obrigado a disponibilizar um bem que fosse próprio ao seu uso específico, garantindo a sua utilização por um prazo mínimo sem deterioração.
Segundo o cliente, o acidente ocorreu por falta de manutenção preventiva por parte da empresa, que teria colocado à venda um veículo em condições impróprias para uso.
Falha mecânica
O pedido de indenização foi rejeitado em primeira instância e também pelo TJMG. Para o tribunal, ao comprar veículo usado, o consumidor sabe que ele não se encontra nas mesmas condições mecânicas de um novo. Ainda segundo o TJMG, além de a perícia não ter apontado vício oculto, o contrato de compra indicaria que o sistema de direção não estaria incluído entre as garantias.
O ministro Luis Felipe Salomão apontou que, a partir dos elementos do processo – em especial, o laudo pericial –, é possível verificar a ocorrência de falha mecânica no sistema de direção, o que acarretou a quebra da barra direcional, causando o acidente. O relator enfatizou que, segundo comprovado nos autos, o desgaste na barra de direção foi detectado seis dias após a compra, exatamente por causa do acidente.
De acordo com o ministro, como a peça com problema era a barra de direção – elemento de maior resistência e durabilidade, notadamente em se tratando de veículo utilizado para o transporte de carga –, “não há como se acolher a tese de que o vício seria de fácil percepção para o comprador”.
Critério de funcionalidade
Com base nas garantias legais e contratuais e na extensão de proteção prevista pelo Código de Defesa do Consumidor (CDC), tanto para bens novos quanto para usados, Salomão esclareceu que, embora não se possa esperar desempenho idêntico entre o produto novo e o usado, não é possível afastar o direito do consumidor de usufruir do bem a partir da utilidade inerente ao seu uso.
Este é, segundo o relator, o critério a ser utilizado para se avaliar eventual responsabilidade do fornecedor do produto usado: a possibilidade de que o consumidor usufrua do bem de acordo com o funcionamento que se espera de um bem usado – ou seja, “a garantia deverá ser considerada segundo as reais especificidades do produto”. Salomão acrescentou que o fato de ser usado não afasta a responsabilidade do vendedor que coloca o produto no mercado.
Para o ministro, independentemente de previsão de garantia, a venda de um bem tido por durável, mas que apresenta vida útil inferior àquela que se esperava, além de configurar defeito de adequação – segundo o artigo 18 do CDC –, resulta na quebra da boa-fé objetiva que deve embasar as relações contratuais.
Por: Livio Sabatti
Publicado em: 3 de novembro de 2020
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