A Quinta Turma do Tribunal Superior do Trabalho condenou a Fundação de Apoio da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (FAURGS) e a Fundação Universitária de Cardiologia a pagar indenização por danos morais a uma enfermeira vítima de ameaças de morte durante o trabalho em postos de saúde de comunidades de Porto Alegre. Com transtornos mentais, ela não tem mais condições de trabalhar e chegou a tentar o suicídio.

Sobrecarga psíquica

Na reclamação, a enfermeira contou que havia trabalhado em postos da Estratégia da Saúde da Família (ESF) em Porto Alegre (RS), nos bairros Rubem Berta e Jardim Carvalho. Segundo seu relato, ela vivenciou um contexto de permanente violência, sofreu inúmeras agressões verbais e físicas e foi ameaçada de morte por diversas ocasiões, além de ter sido vítima de assalto em 2011.

No seu entendimento, as fundações que a contrataram para prestar serviço ao Município de Porto Alegre “eram omissas e tentavam se desonerar de toda e qualquer responsabilidade para com seus empregados”, que trabalhavam “em condições precárias e com excessiva sobrecarga psíquica”. Essas situações desencadearam sintomas “de forma gradual e insidiosa que culminaram em graves transtornos psiquiátricos”.

Gangues rivais

Uma testemunha que trabalhou com a enfermeira numa das unidades de 2006 a 2008 relatou que o posto ficava no centro de três gangues rivais que brigavam entre si com troca de tiros. “Por vezes alguém da comunidade avisava que era necessário fechar o posto em razão da violência”, afirmou.

Em uma dessas ocasiões, uma criança não pôde receber atendimento odontológico no local, e a mãe, que tinha filhos pertencentes a uma das gangues, “retornou furiosa, armada”, ameaçando a enfermeira e a testemunha. Em razão das ameaças, esta teve de se mudar, e as duas foram transferidas para outros postos de saúde.

Responsabilização inviável

Os pedidos de dano moral, material e existencial foram indeferidos pelo juízo de primeiro grau e pelo Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (RS). Apesar de reconhecer que o convívio diário com a violência e a degradação social sujeita a vítima a abalos psicológicos, o Tribunal Regional considerou que não tinha havido ato ilícito das empregadoras.

Para chegar a essa conclusão, o TRT destacou duas situações que evidenciariam que as empregadoras haviam atuado dentro da esfera de suas possibilidades: a transferência da empregada para outro posto de saúde após as ameaças relatadas pela testemunha e a oferta de afastamento do trabalho após esse episódio para quem não estivesse em condições de trabalhar.

Maior exposição a risco

O relator do recurso de revista da enfermeira, ministro Breno Medeiros, constatou a existência de dano moral decorrente do sofrimento emocional a que foi submetida durante o trabalho. Em sua avaliação, o posto de saúde em que trabalhava a enfermeira estava sujeito a assaltos e era alvo de constantes episódios de agressividade dos moradores da comunidade. “Verifica-se, portanto, que, de fato, a função normalmente desenvolvida pela trabalhadora implica maior exposição a risco do que a inerente aos demais membros da coletividade, por força do seu contrato de trabalho”, assinalou.

A decisão foi unânime.


Por: Livio Sabatti

Publicado em: 3 de novembro de 2020

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