As notícias indicam que a recente minissérie da Netflix “O Gambito da Rainha” (tradução dada ao título inglês “The Queen’s Gambit”, mas cujo nome em português é, na verdade, o gambito da dama) voltou a popularizar o jogo de xadrez nos Estados Unidos. Nesse embalo, o professor de Direito da Universidade de Drake e membro da Federação de Xadrez dos Estados Unidos, Mark Kende, explorou as similaridades entre o xadrez e o Direito.
O professor ensina que há uma convicção antiga: estudantes de Direito que jogam xadrez se saem melhor nos exames de ordem; advogados que jogam xadrez têm melhor desempenho na profissão. Ele explica, em um artigo reproduzido pelo yahoo! news, por que isso acontece:
1. O xadrez é intelectualmente rigoroso
Jogar xadrez, principalmente em alto nível, é uma atividade tão rigorosa que o fundador da Microsoft Bill Gates perdeu um jogo de exibição para o atual campeão mundial, o norueguês Magnus Carlsen, em apenas nove movimentos. Para muitos, essa foi uma surpresa, considerando-se que Bill Gates é um gênio.
Um jogador de xadrez aprende a se concentrar por muito tempo. Em torneios sérios, pode se concentrar por cinco ou seis horas, sabendo que basta apenas um pequeno descuido para perder um jogo. Aprender a se concentrar por longo tempo é uma qualificação valiosa para estudantes de Direito e para advogados.
Segundo o professor, estudos informais sugerem que estudantes que enveredam por áreas difíceis em sua formação têm de desenvolver uma alta capacidade intelectual, para passar em todos os testes e exames. Os advogados, que enfrentam contenciosos de todos os tipos, precisam aperfeiçoar sua capacidade de argumentação e sua qualificação intelectual, se quiserem ser bem-sucedidos — tal como os jogadores de xadrez com seus movimentos.
2. Cria a habilidade de identificar fundamentos
Desde a faculdade, o advogado tem de aprender a identificar (ou localizar) fundamentos jurídicos nem sempre aparentes nos fatos de um determinado caso — diferentemente de sua experiência anterior de só resumir o que aprendeu. E então aplicar os princípios legais mais apropriados aos fatos. Na faculdade e na vida profissional, o advogado identifica questões que nem sempre são óbvias, busca analogias e observa padrões.
O jogador de xadrez pode ter diversas possibilidades de movimentos, mas tem de identificar o movimento decisivo, que não estará sujeito a problemas e que poderá encaminhar a vitória. Ele avalia padrões que aprendeu nos livros, tais como estratégias de abertura, desenvolvimento do jogo e métodos típicos de atacar o Rei. Aliás, sempre tem de usar estratégias, algumas delas preciosas como o “gambito da dama”, em que sacrifica a dama para dar xeque-mate no rei.
Os jogadores que não veem as diversas possibilidades que o jogo apresenta não irão ganhar muitas partidas. O advogado, tal como o jogador de xadrez, tem de ter capacidade de examinar as diversas situações que um caso apresenta.
3. Estratégias são essenciais
Um forte desempenho em Direito e no xadrez exige, obviamente, estratégias eficazes. Uma metáfora, às vezes usada nos EUA, é a de que a advocacia é um jogo de xadrez.
Uma estratégia bem-sucedida requer as capacidades de planejar um movimento, de prever como o adversário irá reagir e qual será a próxima “jogada”. Em contenciosos, o advogado não só tem de pensar no que vai fazer, mas também avaliar possíveis planos do adversário para responder a seu próximo “movimento”. Além disso, é preciso identificar os pontos fracos de cada caso, da mesma forma que um jogador de xadrez precisa identificar possíveis problemas de seu posicionamento no tabuleiro.
4. Princípios e regras aplicáveis
Tanto o Direito quanto o xadrez têm regras, princípios gerais, exceções e brechas. O Direito é normalmente codificado em leis. O xadrez tem regras. No entanto, elas não têm a ambiguidade que às vezes permeia a leis.
Os jogadores iniciantes aprendem os princípios normalmente aceitos. Aprendem, por exemplo, que na abertura do jogo devem movimentar algumas peças fundamentais, para, junto com os peões, controlar o centro do tabuleiro; devem saber que, em um certo momento, devem colocar o rei em uma posição protegida (fazer o roque); e colocar a dama, os bispos e os cavalos em posição de atacar a qualquer momento – embora grande-mestres possam violar esses princípios, por uma questão de estratégia.
Os promotores usam métodos semelhantes. Em casos criminais com múltiplos réus, eles “atacam” os peixes pequenos primeiramente e, depois, usam esses sucessos para pegar o peixe grande. Isso é como capturar peões, inicialmente, para abrir vias de ataque ao rei. Nas notícias de casos criminais, a imprensa costuma usar os termos “peixe pequeno” e “peixe grande”.
5. Empenho competitivo
O sucesso em advocacia e no xadrez exige instintos competitivos. Da mesma forma que o xadrez tem um sistema de classificação dos jogadores, os advogados também ganham nome e prestígio com suas atuações bem-sucedidas. O xadrez e a advocacia requerem vontade de ganhar, forte o suficiente para manter a concentração.
Muitas vezes, jogadores de xadrez experimentam altos e baixos em um mesmo jogo, bem como em torneios. Estudantes de Direito e advogados passam por isso, frequentemente. Precisam aprender a lidar com adversidades, incluindo a de perder uma disputa. Ações judiciais podem durar anos, com muitos altos e baixos no caminho. Por isso, requerem persistência. Alguns casos parecem montanhas russas, com dias bons e dias ruins.
Outra similaridade é a de que no xadrez e na advocacia os protagonistas têm de estar bem preparados para o “jogo”. No xadrez, os jogadores podem encontrar jogos de seus oponentes na Internet e estudá-los, para ver tipos de abertura usados, o desenvolvimento do jogo, estratégias, etc. Na advocacia, uma parte pode estudar casos de seu adversário e ler sobre os juízes em publicações como os Anuários da Conjur — e ajustar sua estratégia de acordo com essas informações.
O xadrez é um jogo, de forma que alguns o jogam por diversão e outros por profissão. A advocacia é sempre uma profissão. Mas as duas atividades têm muito para contribuir uma para a outra, no que se refere ao desenvolvimento de capacidade intelectual, emocional e competitiva. São capacidades muito úteis nos dois campos.
Fonte: CONJUR
Por: Livio Sabatti
Publicado em: 29 de dezembro de 2020
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