Servidor que pede a sua exoneração em meio a tratamento psiquiátrico tem direito à reintegração no cargo e ao recebimento de todos os salários, desde a sua saída. Afinal, se a Administração Pública sabia que ele estava doente, sem condições emocionais para consentir com o seu desligamento, o ato de exoneração é nulo.

Com este entendimento, a 4ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região acolheu apelação de um policial rodoviário federal do Paraná que, apesar de reintegrado, não teve reconhecido, no primeiro grau, o direito de receber os salários não pagos desde a sua exoneração.

A relatora da apelação, desembargadora Vivian Josete Pantaleão Caminha, afirmou no acórdão que o autor da ação é portador de doença psiquiátrica desde maio de 2009, situação comprovada pela concessão de licenças médicas. E que o quadro clínico se agravou com o assédio moral sofrido no ambiente de trabalho, culminando com o pedido de exoneração, em julho de 2014, em pleno tratamento psiquiátrico.

Para a relatora, em 2014, o autor não estava apto para exercer sua atividade laboral, faltando-lhe o necessário discernimento para decidir pela exoneração do cargo ocupado. “Destarte, é infundado o argumento da União de que o ato de exoneração do autor é hígido, porque, no momento em que manifestou a vontade de se desligar do serviço público, ele não mantinha o juízo crítico e a capacidade de deliberação consciente e refletiva, encontrando-se na fase mais aguda da doença”, complementou.

Após reconhecer a invalidade do ato administrativo, a desembargadora, ao contrário do juízo de origem, disse que o autor faz jus, também, ao recebimento de remuneração relativa ao período de afastamento. É que a situação dos autos é peculiar, ressaltou, porque a União tinha conhecimento inequívoco da falta de condições do servidor para consentir com sua exoneração.

“Logo, o consectário lógico é o retorno do status quo, devendo lhe ser garantido o pagamento de remuneração como se em atividade estivesse. Ante o exposto, voto por dar provimento à apelação do autor e negar provimento à apelação da União”, definiu Vivian. O acórdão foi lavrado na sessão telepresencial do último dia 8 de julho.

Ação anulatória
O autor foi à Justiça para pedir a anulação da Portaria 381, de 2 de dezembro de 2014, que o exonerou, a pedido, do cargo de PRF, que exercia desde dezembro de 2005. Junto, pleiteou a sua reintegração à Polícia Rodoviária do Paraná, com consequente o pagamento da respectiva remuneração, desde a data de seu desligamento.

Perante o juízo da 6ª Vara Federal de Curitiba, alegou o que o ato é nulo, por vício de consentimento. É que, no momento em que formulou o pedido administrativo de exoneração, tinha seu discernimento comprometido, em decorrência de enfermidade mental.

Na fundamentação dos pedidos, o autor afirmou que começou a sofrer perseguições no trabalho desde 2007, o que o levou a sair de Curitiba para Cascavel. No entanto, as más condições de trabalho continuaram, agravando-se a partir de 2012, quando se sentiu “veladamente perseguido”, pois seguidamente era escalado para serviços extras e lotado em postos distantes da sua residência. Também notou que era malvisto por muitos colegas, pela falta de afinidade por parte da chefia direta.

Neste cenário adverso, afirmou que desenvolveu graves problemas psicológicos, chegando a se afastar várias vezes de suas atividades profissionais para tratamento médico. Em julho de 2014, quando formalizou o pedido de exoneração à PRF, lembrou, encontrava-se em tratamento psiquiátrico havia 14 meses.

Assim, o ato administrativo que acatou a sua exoneração é nulo, porque não precedido de uma avaliação psiquiátrica de seu estado mental e emocional à época, já que se encontrava em meio a tratamento médico. Afinal, naquele momento, não se encontrava em plenas condições de discernir, ao menos em relação à atividade profissional, sobre qual a melhor atitude a ser tomada.

Em sua contestação, a União afirmou que o próprio autor pediu exoneração do cargo que ocupava, sem a ocorrência de nenhum fator estranho que pudesse viciar a sua manifestação de vontade. Logo, a expressa manifestação da vontade do autor em pedir exoneração impede o pedido de reintegração ao cargo na PRF.

Sentença de parcial procedência
O juiz federal Augusto César Pansini Gonçalves observou que o autor padecia de transtorno depressivo grave quando apresentou o pedido de exoneração. Os sintomas eram tão preocupantes que chegava a apresentar “ideações suicidas”.

Disse que a perita judicial confirmou que ele apresentava ansiedade, pânico, crises de choro, dificuldade para dormir, pessimismo, melancolia, incapacidade para se concentrar e risco de cometimento de atos potencialmente perigosos. E este quadro de más condições psiquiátricas, segundo a perita, é que o levou a solicitar desligamento da corporação.

Em face do laudo psiquiátrico, Pansini Gonçalves entendeu que o pedido de exoneração é nulo, já que continha vício de vontade, invalidando o ato administrativo, como ensina Cretella Júnior na obra “Teoria do Direito Administrativo”. Para o doutrinador, a incapacidade do agente, absoluta ou relativa, torna o ato administrativo ilegal, podendo culminar com o seu total aniquilamento.

O julgador citou precedente da 3ª Turma do TRF-4. Diz, no ponto, a ementa do acórdão de apelação 2004.70.00.036993-3: “Estando a autora acometida de depressão grave, quadro cuja severidade era de tal magnitude que implicou prejuízo em sua capacidade de discernimento ao requerer sua exoneração do cargo público, consoante comprovado pela prova técnica, que atestou não ter a autora capacidade de autodeterminação, tampouco de avaliação das consequências de seus atos, o reconhecimento da existência de vício na sua declaração de vontade é medida de rigor”.

Considerando as circunstâncias fático-jurídicas da exoneração, o juiz concluiu que o autor tem direito à reintegração ao cargo. Basta que a PRF, reavaliando o estado psicológico do autor, decida em que condições ele deve retornar às atividades — e se poderá ou não voltar a usar armamento.

O juiz indeferiu, entretanto, o pedido para condenar a União ao pagamento dos salários atrasados. A seu ver, o caso se assemelha àquele em que o candidato, preterido em um concurso público, só vem a ser nomeado anos depois e por força de uma medida judicial.

“Nessas hipóteses, o pagamento de remuneração a servidor público e o reconhecimento de efeitos funcionais pressupõem o efetivo exercício do cargo, sob pena de enriquecimento sem causa. Diante do exposto, julgo parcialmente procedentes os pedidos formulados pelo autor”, anotou na sentença.


Por: Livio Sabatti

Publicado em: 3 de novembro de 2020

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