O programa sobre a modalidade de aquisição Compra com Doação Simultânea (CDS) não privilegia Estados onde os agricultores têm rendas mais baixas, contrariando seus próprios objetivos
Ações do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) sob a modalidade de aquisição Compra com Doação Simultânea (CDS) não privilegia Estados onde os agricultores têm rendas mais baixas ou com percentual mais expressivo da população em situação de insegurança alimentar, não cumprindo o propósito do programa. A constatação é da auditoria operacional do Tribunal de Contas da União (TCU) que também apontou que apenas 16% das operações fiscalizadas foram consideradas regulares.
Os principais achados de auditoria são beneficiários falecidos; proprietários de imóvel rural com área superior a quatro módulos fiscais (em desacordo com a lei que institui o programa); local constante da Cédula de Produto Rural (CPR) diferente do local de residência (a CPR formaliza a operação entre fornecedores e recebedores dos produtos); beneficiários com ocupação em período integral em Estado da federação diferente do da operação; e renda bruta anual superior ao limite estabelecido.
Entre 2012 e 2015, a auditoria identificou que 9,68% dos beneficiários fornecedores analisados apresentavam indícios de irregularidades. Um total de 15.951 beneficiários apresentaram indícios de não cumprimento dos requisitos do PAA/CDS definidos na lei de criação do programa.
Para se ter uma ideia da relevância do tema, no ano de 2012 foram aplicados no programa cerca de R$ 586 milhões. Já em 2015 foram aplicados mais de R$ 287 milhões na aquisição de alimentos, o que aumenta a necessidade de eficiência da política para continuar a atender seus objetivos.
O Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), intrinsecamente relacionado ao Programa Fome Zero, integra o Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Sisan) e tem duas finalidades básicas: garantir o direito fundamental de acesso à alimentação e incentivar a agricultura familiar por meio do auxílio à comercialização dos produtos.
Entre 2012 e 2014, houve uma concentração de recursos em alguns Estados: São Paulo (23,85%), Bahia (9,32%), Minas Gerais (7,34%), Santa Catarina (5,37%) e Paraná (5,24%). Ficou evidente na fiscalização que os Estados com maior aplicação de recursos da CDS são os que possuem uma agricultura familiar mais organizada e estruturada empresarialmente e com maior força econômica.
O resultado dessa má distribuição dos recursos do PAA/CDS entre as unidades da federação estaria prejudicando o cumprimento dos objetivos do programa, que são justamente fortalecer a agricultura familiar, gerando renda para esse grupo populacional, e combater a insegurança alimentar e nutricional, por meio de doação de alimentos.
Para corrigir as falhas, relacionadas às aquisições dos produtos, o tribunal determinou à Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) que estabeleça controles internos adicionais nos processos do PAA/CDS, a exemplo de: cruzamento de dados; sistematização de procedimentos de instrução processual; checagem das informações fornecidas pelo beneficiário; mecanismos de controle de qualidade das instruções processuais; revisão do trabalho externa ao departamento responsável; e fiscalização em campo.
Importante destacar que houve redução do percentual de indícios de irregularidades encontrados entre 2012 e 2015. Esse fato é atribuído à evolução da metodologia de fiscalização realizada pela Conab. Confirmados tais indícios, o montante de recursos pode representar mais de R$ 96 milhões, entre janeiro de 2012 e maio de 2015, despendidos com pagamentos de fornecedores de alimentos que são beneficiários do programa.
De modo geral, a equipe de auditoria do TCU identificou que as ações governamentais no programa não são adequadamente acompanhadas e monitoradas de forma que possibilite a utilização dessas informações no aperfeiçoamento da política. Os indicadores de desempenho estabelecidos são direcionados aos processos do PAA e não aos impactos da política. Além disso, não foram identificadas regras para atuação conjunta com objetivos comuns entre os envolvidos na gestão do programa.
“As atividades de fiscalização empreendidas pela Superintendência de Fiscalização da Conab, conforme transcrito no relatório que antecede este voto, reforçam a sensação de que há muitas situações de inconformidades no programa, eis que apenas 16% das operações fiscalizadas entre 2012 e julho de 2015 foram consideradas regulares”, reforçou o relator do processo no TCU, ministro Augusto Nardes.
O tribunal determinou que a Conab envie, no prazo de 120 dias, plano de providências para confirmação das irregularidades ou correção dos registros, além da recuperação do montante financeiro referente à diferença entre o valor de aquisição dos produtos e o valor de mercado do produto à época da operação, conforme histórico de preços da bolsa de mercadorias/Conab e demais custos incorridos para as operações em que forem confirmadas as irregularidades.
A dinâmica da CDS é baseada na proposta de participação elaborada pela organização fornecedora em parceria com a unidade recebedora. Essa proposta é enviada à Conab e, se aceita, dará origem a uma Cédula de Produto Rural – Doação (CPR Doação). A CPR Doação é o documento que representa a formalização da operação. Ela é emitida pela Superintendência Regional da Conab (Sureg) e deve ser registrada em cartório pelos representantes da organização fornecedora. Na CPR são registrados todos os beneficiários fornecedores e as unidades recebedoras, bem como os produtos e as quantidades que fazem parte da operação.
Fonte: TCU
Por: Sabatti Advogados
Publicado em: 3 de novembro de 2020
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