Fere o princípio da isonomia e é inconstitucional exigir requisitos distintos entre homens e mulheres para a concessão de pensão por morte de ex-servidores públicos em relação a seus cônjuges. O entendimento foi fixado pelo Supremo Tribunal Federal em julgamento de recurso concluído nesta sexta-feira (9/10). A votação no Plenário virtual da corte foi unânime.

O colegiado analisou a lei gaúcha (7.672/82), que previa requisitos adicionais para conceder ao marido a pensão por morte da esposa que fosse ex-servidora pública: ele deve ser inválido e dependente economicamente da mulher.

Os ministros seguiram o voto do relator, ministro Celso de Mello, que considerou ser discriminatório exigir do homem tais comprovações de invalidez e/ou de dependência econômica para o benefício sem que os requisitos sejam igualmente exigíveis à mulher.

Celso considerou a evolução jurisprudencial sobre o tema e apontou dados de estudos recentes, como o do Ipea, que revela que a elevação do número de famílias brasileiras chefiadas por mulheres. Esse registro, segundo o decano, descaracteriza por completo a afirmação da essencial dependência econômica da mulher em relação a seu cônjuge.

Outros estudos citados pelo ministro mostram a proporção da participação das mulheres na composição da renda familiar e, ainda, o número expressivo de famílias monoparentais, chefiadas unicamente por mulheres.

O ministro afirmou que a mudança do quadro social foi reconhecida pela Lei Complementar gaúcha 15.142/2018, que revogou a lei questionada e “eliminou qualquer fator de discriminação entre homens e mulheres vinculados aos segurados filiados ao respectivo sistema previdenciário”.

Para Celso, a nova norma “consagrou a presunção de dependência econômica do cônjuge ou companheiro/companheira, sem qualquer ressalva concernente ao gênero do beneficiário”.

Em seu voto, o ministro Luiz Edson Fachin endossou as ponderações de Celso e resumiu a questão: “a lei gaúcha presumia a dependência econômica somente da mulher em relação ao homem”.

Fixação da tese
Foi fixada a tese de repercussão geral: “É inconstitucional , por transgressão ao princípio da isonomia entre homens e mulheres (CF , art. 5º, I), a exigência de requisitos legais diferenciados para efeito de outorga de pensão por morte de ex-servidores públicos em relação a seus respectivos cônjuges ou companheiros/companheiras (CF , art. 201, V)”.

Desafetação
O recurso foi interposto no STF pelo Instituto de Previdência do Estado do Rio Grande do Sul contra decisão do Tribunal de Justiça local. No caso, os magistrados entenderam pela impossibilidade de exigir do homem requisitos adicionais para conceder a pensão e declararam a norma inconstitucional por promover discriminação jurídica.

O Ministério Público Federal opinou pelo provimento do recurso, apontando o entendimento do Instituto “segundo o qual se revela constitucional, além de socialmente, legítima, a exigência feita por legislações locais acerca da comprovação de dependência econômica para que o cônjuge varão faça jus à pensão por morte decorrente de segurada”.

Com a revogação da Lei estadual, o Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário alegou, como amicus curiae, a perda superveniente de objeto do recurso.

No entanto, o relator acolheu a manifestação do Procurador-Geral da República, Augusto Aras, que afirmou persistir o interesse na apreciação do tema mesmo após a revogação da lei. “Está em exame processo subjetivo, que reclama análise da legislação vigente ao tempo do exercício da pretensão, bem como em razão do caráter transcendente do exame da tese em repercussão geral”, disse.

Importância do precedente
Impossível não traçar o paralelo com o caso americano Moritz v. Commissioner, um dos primeiros em que Ruth Bader Ginsburg atuou, ainda advogada. Ela defendeu o direito de Charles Moritz abater do imposto de renda as despesas com o cuidado que tinha com a mãe. Em 1972, o direito era previsto em lei apenas para mulheres e homens casados. Moritz era solteiro e teve o pedido inicialmente negado, tendo de levar a questão à Suprema corte dos Estados Unidos para reconhecer a desigualdade, abrindo o precedente para o questionamento de outras leis.


Por: Livio Sabatti

Publicado em: 3 de novembro de 2020

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