No dia em que Donald Trump foi eleito presidente dos EUA, em novembro de 2016, o governo canadense colocou no ar um site só para explicar a americanos o que tinham de fazer para se tornarem residentes do Canadá – tantas foram as declarações, incluindo uma da ministra da Suprema Corte Ruth Ginsburg, que diziam: “Se Trump for eleito, vou me mudar para o Canadá”. As eleições de 2020 já estão à vista, e a frase já foi adaptada: “Se Trump for reeleito, vou me mudar para o Canadá”.

A frase reflete o desespero dos eleitores democratas, diante de uma perspectiva realista: Trump pode ser reeleito. Pode ser que se repita o que aconteceu em 2016: em número de votos nacionalmente, a candidata democrata Hilary Clinton venceu o republicano Donald Trump por mais três milhões de votos. Mas Trump obteve mais delegados para o Colégio Eleitoral e se tornou presidente – incoerências do sistema.

Há um motivo principal para esse aparente “desespero” dos eleitores democratas, que também é uma razão para cada eleição presidencial se tornar uma briga de foice, cada vez mais acirrada: a composição da Suprema Corte.

Hoje com nove ministros, a Suprema Corte tem cinco ministros conservadores, nomeados por presidentes republicanos, e quatro ministros liberais, nomeados por presidentes democratas. E é essa Suprema Corte que decide o destino do país, no que se refere aos temas que racham a população ao meio.

Por exemplo, os democratas-liberais são a favor do aborto, os conservadores-republicanos são contra. Democratas são a favor do casamento gay; republicanos, definitivamente contra. Democratas defendem os trabalhadores e os consumidores; republicanos, as empresas. Democratas querem um sistema de seguro-saúde gratuito para quem não pode pagar seguro privado; para os republicanos, nem pensar. Democratas querem ensino gratuito; republicanos não querem.

Tem mais: democratas querem que milionários, bilionários e grandes empresas paguem mais imposto de renda para financiar programas sociais; republicanos têm ojeriza a aumento de impostos. Democratas querem proteger imigrantes ilegais que vieram para o país ainda criança; republicanos querem deportá-los. Democratas querem favorecer os estrangeiros que pedem asilo; republicanos querem que peçam asilo em algum outro lugar. Democratas não querem discriminar muçulmanos; republicanos (leia-se Trump), querem bani-los do país.

Cada lado tem suas convicções, que são muito fortes, e os ministros da Suprema Corte também. Algumas dessas questões já estão tramitando por tribunais inferiores e, quando chegarem à Suprema Corte, elas certamente serão decididas por cinco votos a quatro (cinco votos conservadores contra quatro votos liberais, como já aconteceu muitas vezes – a não ser pelo fato de que, em alguns casos, um ministro conservador votou com os ministros liberais.

Mas isso acontecia quando a Suprema Corte tinha o ministro Anthony Kennedy, que vez ou outra votava com os liberais. Mas Trump pediu a ele que se aposentasse e colocou em seu lugar o ministro Brett Kavanaugh, considerado “ultraconservador”. Antes dele, Trump já havia colocado no lugar de Antonin Scalia, que faleceu, o ministro Neil Gorsuch, que é considerado “arquiconservador”. Agora, o único voto possível, a favor dos liberais, poderá ser o do presidente da corte, ministro John Roberts – já chamado em alguns meios como o homem mais poderoso do país.

Propostas democratas
Se um candidato democrata vencer a eleição presidencial, sua principal missão será mudar esse estado de coisas. Por isso, a composição da Suprema Corte se tornou um dos principais temas dos debates televisivos entre os candidatos democratas. As discussão giram, principalmente, em torno de uma missão quase impossível: despolitizar a Suprema Corte.

Há duas propostas principais na mesa para acalmar a guerra política sobre o Judiciário e tornar a Suprema Corte menos partidária. A primeira seria elevar para 15 o número de ministros da corte. Seriam cinco ministros conservadores, cinco ministros liberais e cinco ministros não politizados. Os cinco ministros “não politizados” seriam escolhidos pelos dez ministros “politizados”.

Essa proposta, se aprovada por um governo democrata, poderia enfrentar a alegação do Partido Republicano, nas cortes, de que é inconstitucional. Afinal, a Constituição estabelece que o presidente “deverá ter o poder, com assistência e consentimento do Senado, de nomear embaixadores, outros ministros públicos (…) e juízes para a Suprema Corte”.

Ou seja, seria necessário mudar a Constituição, dizem os opositores da proposta. No entanto, os ministros poderiam escolher os juízes “não politizados” e encaminhar a lista para o presidente – se houver boa vontade, o que não parece ser o caso, pois, se a disputa terminar na Suprema Corte, os cinco ministros conservadores irão decidir a questão.

A segunda proposta é a de adotar o método de escolha e nomeação de ministros da Suprema Corte utilizado na Grã-Bretanha e em alguns estados dos EUA, em que a seleção do candidato é feita por uma comissão, com base em mérito e experiência. A Comissão consulta juízes experientes e outras autoridades do Judiciário e envia o nome do candidato escolhido ao “Lorde Chanceler”, para processar a nomeação.

Mais uma vez, seria preciso mudar a Constituição, para tirar o poder de nomear ministros da Suprema Corte das mãos do presidente. Porém, mais uma vez, a comissão poderia, simplesmente, enviar o nome – ou uma lista tríplice – ao presidente, para nomeação, sem também excluir o direito do Senado de sabatinar o candidato.

Outra proposta, que ainda não está em debate na campanha eleitoral, mas que de vez em quando vem à tona, é a de limitar o mandato dos ministros da Suprema Corte para 18 anos. Segundo essa proposta, um ministro da corte seria substituído a cada dois anos. E isso permitiria que cada presidente pudesse nomear dois ministros em seus quatro anos de mandato.

Se Trump for reeleito, todas essas propostas de reforma da Suprema Corte ficarão congeladas até que um democrata chegue ao poder. Os republicanos estão muito satisfeitos com o status quo. Mas esse assunto fará parte do debate entre o candidato democrata e o republicano, no ano que vem – mais provocado pelos democratas, que querem conquistar os eleitores independentes.

Nesse caso, a única esperança dos liberais democratas é conquistar maioria no Senado, nas eleições de 2020. Se isso acontecer, poderão vetar todas as indicações de Trump, de modo que ele não nomeie ministro algum durante os seus quatro anos seguintes de governo.


Por: Livio Sabatti

Publicado em: 3 de novembro de 2020

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