A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) manteve em R$ 20 mil o valor de indenização por danos morais devido pela Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM) a um passageiro que se machucou em decorrência de pane elétrica em uma composição da empresa na cidade de São Paulo.

Em decisão unânime, o colegiado aplicou a teoria do risco criado, por concluir que o dano está inserido entre os riscos inerentes ao transporte ferroviário.

Na ação contra a CPTM, o passageiro narrou que, após uma explosão decorrente da pane elétrica e a parada do trem entre duas estações, as portas foram abertas e, em meio ao tumulto, ele foi arremessado para fora de uma altura de aproximadamente dois metros, machucando o quadril e sendo pisoteado por várias pessoas.

A CPTM alegou que a parada do trem em local inadequado e o pânico entre os usuários – que forçaram a abertura das portas – decorreram de ato de vandalismo cometido por alguém que teria jogado um objeto na linha. Para a companhia, o episódio configuraria fortuito externo, não podendo ser relacionado à sua atividade-fim.

O Tribunal de Justiça de São Paulo arbitrou a indenização em R$ 20 mil, por entender que, mesmo tendo havido ato de vandalismo, a empresa falhou em sua obrigação de proporcionar segurança aos passageiros.

Consequências previsíveis

A relatora do recurso da empresa, ministra Nancy Andrighi, comentou que, diferentemente da teoria da culpa, as teorias do risco não consideram os danos acontecimentos extraordinários e atribuíveis unicamente à fatalidade ou à conduta culposa de alguém, mas, sim, a “consequências, na medida do possível, previsíveis e até mesmo naturais do exercício de atividades inerentemente geradoras de perigo”.

Entre as teorias do risco, a ministra apontou que o Código Civil adota, no parágrafo único do artigo 927, a teoria do risco criado, segundo a qual o dever de indenizar decorre “da conversão do perigo genérico e abstrato em um prejuízo concreto e individual, que é consequência inseparável do exercício da atividade geradora desse risco”.

Na teoria do risco criado, observou a ministra, a quebra da relação de causalidade – capaz de afastar o dever de indenizar – depende do reconhecimento de que a causa do dano é completamente estranha à atividade geradora de perigo social – do que resulta a diferenciação entre os chamados fortuito interno e externo. De forma distinta do fortuito externo, explicou, o fortuito interno não rompe o nexo de causalidade; portanto, não afasta o dever de indenizar.

Já no caso de fortuito externo, embora o fato de terceiro possa, em tese, romper o nexo causal — se for a causa exclusiva do evento danoso —, ele nem sempre afasta a obrigação de indenizar a vítima, uma vez que o dano pode estar previsto entre os riscos da atividade – considerando-se o padrão mínimo de segurança que se espera de seu exercício.

Responsabilidade obj​etiva

Além disso, a ministra destacou que o artigo 734 do Código Civil consagrou a responsabilidade civil objetiva do transportador, de modo que, havendo dano ao passageiro ou à sua bagagem, a empresa é obrigada a indenizar, independentemente de culpa – salvo se houver alguma excludente de responsabilidade.

Para a relatora, no caso em análise, além de o suposto ato de vandalismo não ter sido a única e exclusiva causa do abalo moral sofrido pelo passageiro, eventos inesperados – mas previsíveis – como o rompimento de um cabo elétrico estão inseridos nos fortuitos internos do serviço de transporte.

“É de se esperar, como um padrão mínimo de qualidade no exercício de referida atividade de risco – que caracteriza, portanto, fortuito interno –, que a recorrente possua protocolos de atuação para evitar o tumulto, o pânico e a submissão dos passageiros a mais situações de perigo, como ocorreu com o rompimento dos lacres das portas de segurança dos vagões e o posterior salto às linhas férreas de altura considerável”, finalizou a ministra.


Por: Livio Sabatti

Publicado em: 3 de novembro de 2020

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