Há muito e cada vez mais a criminalidade consolida-se como fenômeno social impactante que atinge, indistintamente, a vida dos seres humanos. Várias são as suas causas, e, por isto mesmo, abordá-las seriamente exige intervenção inter e multidisciplinar. Abordagem indispensável, porém, é a incursão sobre a divisão de atribuições existente entre as polícias militar e civil, modelo que resulta em instituições policiais fracionadas, que não interagem, que não colaboram entre si mesmas, que disputam atribuições, competências, enfim, que almejam alargamento de seus espaços de poder, emprestando maior relevância ao status de que desfrutam do que às razões pelas quais existem. Oportuno lembrar que as polícias, por origem, são instituições de Estado e não de Governo. Polícias de Governo atrelam-se aos agentes de dominação e poder, estão fortemente armadas e lhes é permitido voltarem-se contra o próprio povo, de quem, aliás, emana ou deveria emanar todo o poder, conforme proclamam as repetidas Cartas Políticas brasileiras. Já as Polícias de Estado assumem feição diametralmente oposta, pois não se submetem às orientações partidárias, não são subservientes à vontade de governantes, aos interesses dos políticos e às ordens vindas de grupos de dominação e poder. A Polícia Federal, por exemplo, é um exemplo de polícia de Estado. No entanto, as Polícias Civil e Militar, um modelo de polícias de Governo que espelha, não sem acalorado debate, a adoção da Teoria da Nova Hegemonia construída pelo filósofo marxista Antonio Gramsci, a qual revela o Estado como “todo o complexo de atividades práticas e teóricas com as quais a classe dirigente justifica e mantém não só seu domínio, mas consegue obter o consentimento ativo dos governados”[1]É a garantia de dominação pela verticalização da coerção social através do poder institucional dos agentes de Estado. E isto é um erro. É preciso reconstruir as polícias a partir de um novo viés estrutural que, sem unifica-las, como se fossem uma só instituição, redefina suas competências e redistribua suas atribuições, encerrando, assim, este modo nefasto de polícias fracionadas em que uma apenas efetua policiamento ostensivo, enquanto a outra investiga e elabora inquéritos policiais. Os índices de criminalidade e de insegurança pública estão aí, mostrando a falência e a ineficiência do modelo atual, deixando a sociedade ao desabrigo completo. Os paradigmas deste modelos são muitos. A França possui, como polícias de Estado, a Guarda Nacional (civil) e a Polícia Nacional (militarizada), cujas competências, em tempos de paz, são exatamente iguais. O que distingue os gendarmes, nome que é dado aos componentes das guardas nacionais, é seu caráter polivalente, pois eles podem ser levados a realizar trabalhos de policiamento ostensivo quanto de polícia judiciária, cumprindo, do mesmo modo que a Polícia Nacional, o Ciclo Completo de Polícia em sua área de competência legal[2]. Na Inglaterra instituiu-se o “policiamento baseado no consenso”, modelo de policiamento marcado pela eficiência no combate ao crime e pelo respeito aos direitos dos cidadãos, preservado também o Ciclo Completo de Polícia. Na Espanha, em síntese, existem a Guarda Civil (militarizada) e o Corpo Nacional de Polícia (civil), as quais executam o ciclo completo de polícia. O fato é que nos Países que possuem forças policiais de natureza militar e civil as atribuições e competências são determinadas com fundamento em critérios territoriais ou funcionais. Não se está a dizer que este modelo deva ser implantado no Brasil, pois se trata de nação de proporção territorial gigantesca e de diversidade cultural incomum, circunstâncias que exigem estudos detalhados e multidisciplinares precedente à escolha e à aplicação do método a ser implantado. É cada vez mais indispensável caminharmos em direção ao ciclo completo de polícia, inclusive porque o entrelaçamento e a cooperação entre estas instituições, sempre com vistas à segurança pública e ao combate à criminalidade, compõem o atual modelo constitucional de federalismo cooperativo vigente desde a Carta Maior de 1934, a qual encerrou o modelo dualista da Constituição Republicana de 1891, que impunha competências estanques e rígida separação entre os variados Órgãos de Polícia. O modelo moderno e eficaz de polícias exige concessão de autonomia e independência às policias brasileiras. Basta de instituições de Estado que, transformadas em instrumentos de governo, servem apenas aos interesses de poder, políticos ou sociais, das classes dominantes, ou, ainda, das próprias corporações, contra o tecido social. A Polícia Civil e a Brigada Militar são Forças de Estados, nunca de Governos. E assim, independentes e com autonomia, regidas por princípios legais, éticos e morais impostergáveis, devem se comportar. Somente assim a sociedade poderá e deverá cobrar das polícias a tão almejada redução da criminalidade com reflexo direto na sensação de que vivemos segurança pública real.

 

Fonte: TJMRS


Por: Sabatti Advogados

Publicado em: 3 de novembro de 2020

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