A pena por litigância de má-fé deve ser aplicada à parte, e não ao seu advogado, nos termos dos artigos 14 e 16 do Código de Processo Civil de 1973. Por isso, este não pode ser apenado nos autos em que supostamente figura como litigante de má-fé, ainda que incorra em falta profissional. Eventual conduta desleal deve ser apurada em processo autônomo, conforme o artigo 32 do Estatuto da Advocacia (Lei 8.906/94).

Com esse fundamento, a 11ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul acolheu recurso para derrubar multa de R$ 5 mil imposta a um advogado que atua na Comarca de Passo Fundo. A penalidade foi aplicada pela juíza Luciana Bertoni Tieppo, do 1º Juizado da 4ª Vara Cível. Com a decisão, unânime, o processo retornou à origem para regularização da representação processual e normal andamento do feito.

A juíza aplicou a multa, extinguindo o processo, por vislumbrar má-fé do advogado nos autos da ação declaratória de inexigibilidade de cobrança cumulada com repetição de indébito e indenização por dano moral, proposta contra uma concessionária de energia elétrica. A procuração outorgada ao advogado era irregular, pois dava poderes apenas para contestar reajustes na tarifa de energia elétrica, e não a cobrança indevida de seguros nas faturas emitidas pela concessionária.

‘‘Assim, o ingresso da presente ação é indevida, tendo sido constatado, ainda, que há ações ajuizadas em duplicidade, ao que tudo indica visando escolher a vara na qual irá tramitar a ação, o que é de todo inadmissível. Tal fato vem de encontro aos princípios da celeridade e boa-fé, servindo apenas para atribular ainda mais o Poder Judiciário’’, escreveu na sentença, proferida em outubro de 2013.

Na percepção da juíza, ao incorrer nessa conduta, o advogado deixou de observar os princípios da celeridade e da economia processual, invocados pela própria categoria para reclamar da morosidade do Poder Judiciário. Deixou também de proceder com lealdade e boa-fé e de expor os fatos em conformidade com a verdade, conforme disposto no artigo 14, incisos I e II do Código de Processo Civil de 1973. Pelo conjunto da obra, o advogado teria praticado ‘‘ato atentatório à jurisdição’’, o que justifica o pagamento de multa ao Estado.

Direito de ação
A parte autora apelou, argumentando que seu advogado não pode ser multado por litigância de má-fé nem a ação indenizatória deve ser extinta, pois violaria o acesso à Justiça. No TJ-RS, o desembargador-relator Bayard Ney de Freitas Barcellos acolheu a apelação, por entender que, antes da extinção, o juízo de origem deveria determinar a regularização da representação processual.

‘‘Não obstante, no presente caso, a demanda está fundamentada e converge com as reiteradas manifestações deste Órgão fracionário no sentido de que [a irregularidade de representação] não se constitui condição ao exercício do direito de ação, privilegiando-se a garantia do livre acesso ao Judiciário, direito fundamental insculpido no inc. XXXV do artigo 5º da CF/88’’, complementou no acórdão.

Como consequência, disse, a multa imposta ao advogado da parte autora deve ser afastada. ‘‘Por conseguinte, eventual conduta indevida por parte do advogado deve ser aferida em ação própria, conforme dispõe o artigo 32 do EAOAB, sendo descabida a condenação do advogado’’, afirmou. O acórdão foi lavrado na sessão de 10 de maio.


Por: Sabatti Advogados

Publicado em: 3 de novembro de 2020

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