A alienação parental, segundo a legislação brasileira, consiste no conjunto de práticas promovidas ou induzidas por um dos pais ou por quem tenha adolescente ou criança sob sua autoridade, guarda ou vigilância, com o objetivo de levá-lo a repudiar o outro genitor ou impedir, dificultar ou destruir os vínculos entre ambos.

A expressão “alienação parental” foi proposta nos anos 1980 pelo psiquiatra americano Richard Gardner. Ele defendia que a prática fosse definida como uma síndrome – a chamada Síndrome da Alienação Parental (SAP). Para Gardner, a SAP, quando não identificada e devidamente tratada, pode trazer graves consequências psíquicas e comportamentais para a criança.

A teoria do psiquiatra americano, apesar de muito respeitada, é bastante controversa entre os estudiosos da área, que sustentam principalmente não ser adequado tratar a alienação parental como doença, o que poderia, inclusive, levar à prescrição de medicamentos de forma precipitada. Em virtude dessa discordância, em junho do ano passado, a Organização Mundial da Saúde (OMS) reconheceu a existência apenas do termo “alienação parental” e não da “síndrome da alienação parental”.

Avanço e controvérsias

Em 2010, foi sancionada a Lei da Alienação Parental (Lei 12.318), que passou a prever multa, a ser definida pelo juiz, acompanhamento psicológico ou perda da guarda da criança como punição para o genitor que comete ato de alienação parental.

A norma foi entendida como um avanço, em especial pelos profissionais do direito de família, já que são frequentes no Poder Judiciário as disputas pela custódia dos filhos depois da separação dos pais.

Após quase nove anos de sua promulgação, a Lei da Alienação Parental divide opiniões. Dessa vez, o que está em debate é sua eficácia. Em audiência pública realizada em abril deste ano, na Câmara dos Deputados, discutiu-se se a lei consegue proteger de forma eficaz as crianças ou se as denúncias de alienação parental podem servir para acobertar casos de abuso sexual e violência doméstica. Já existe, inclusive, projeto para alterar a Lei 12.318/2010.

Em meio a esse cenário, o Poder Judiciário tem julgado de forma a tentar combater as práticas comprovadas de alienação parental. No STJ, os órgãos julgadores trabalham pela interpretação uniforme da legislação federal relacionada à matéria e para que os processos sejam resolvidos sempre tendo em vista o princípio do melhor interesse da criança.

Caso inaugural

O primeiro caso relacionado à alienação parental julgado pelo STJ foi um conflito de competência envolvendo os juízos de Paraíba do Sul (RJ) e Goiânia (GO).

Em Goiânia, local inicial de residência dos pais e das crianças, diversas ações relacionadas ao divórcio do casal e à guarda dos filhos tramitavam. Em uma delas, a mãe pedia o afastamento dos filhos da convivência paterna sob a alegação de que o pai seria violento e teria abusado sexualmente de uma das crianças, motivo que a fez, como o apoio do Programa de Proteção a Vítimas e Testemunhas Ameaçadas (Provita), mudar-se para o Rio de Janeiro.

O pai, em outra ação, alegou que a ex-esposa sofria da SAP e que isso a levou a fazer as acusações, induzindo um sentimento contra ele nos filhos.

O juízo fluminense considerou ser competente para julgar a ação ajuizada pela mãe, em observância ao artigo 147, inciso I, do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), segundo o qual a competência será determinada pelo domicílio dos pais ou responsáveis, ou, na falta destes, pelo lugar onde se encontre a criança ou o adolescente.

Já o tribunal goiano fundamentou que deveria ser observado o artigo 87 do Código de Processo Civil (CPC) de 1973, que determina que a competência é definida no momento da proposição da ação.

Memórias falsas

Nenhuma das acusações contra o pai foi comprovada, e a perícia identificou a Síndrome da Alienação Parental na mãe das crianças. Segundo os responsáveis pela avaliação psicológica, ela implantava memórias falsas nas crianças, como de violência e de abuso sexual, além de ter se mudado repentinamente e propositalmente para o Rio de Janeiro após a sentença que julgou improcedente a ação que moveu com o objetivo de privar o pai do convívio com os filhos.

Em seu voto, o ministro relator do conflito de competência, Aldir Passarinho Junior, destacou que as atitudes da mãe contrariavam o princípio do melhor interesse da criança, pois, mesmo diante da separação ou divórcio, seria importante manter um ambiente semelhante àquele a que os filhos estavam acostumados – isto é, a permanência na mesma casa e na mesma escola era recomendável.

Em relação à competência, o magistrado decidiu pela aplicação da regra do artigo 87 do CPC/1973 por melhor resguardar o interesse das crianças, as quais, se voltassem a morar em Goiânia, poderiam com mais facilidade retomar o convívio com o pai e os avós, também residentes naquela cidade.

Recurso cabível

Em 2014, ainda sob a vigência do CPC/1973, a Terceira Turma do STJ decidiu que é o agravo de instrumento, e não a apelação, o recurso cabível contra a decisão proferida em incidente de alienação parental instaurado no curso de ação de reconhecimento e dissolução de união estável.

A decisão veio após a interposição de recurso especial por uma mãe contra acórdão do Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul (TJMS) que, por intempestividade, negou provimento ao seu agravo de instrumento. A mulher havia inicialmente interposto apelação contra a decisão do juízo de primeiro grau que reconheceu a existência da alienação parental, porém o recurso não foi recebido por ser considerado incabível para o caso.

No STJ, a genitora alegou que a Lei 12.318/2010 não diz qual o recurso adequado contra o ato judicial que decide sobre a prática da alienação parental. Sustentou que a decisão nesse caso, embora de forma incidental, tem natureza de sentença, segundo o parágrafo 1º do artigo 162 do CPC, e requereu a aplicação do princípio da fungibilidade.

Função processual  

Em seu voto, a ministra relatora, Nancy Andrighi, lembrou que não se pode identificar uma sentença apenas pelo conteúdo e que, além disso, é preciso observar a função que ela exerce, de encerrar o processo na primeira instância – o que não ocorreu no processo em julgamento.

“Esse ato judicial, porque resolve questão incidentalmente ao processo principal, tem natureza de decisão interlocutória (parágrafo 2º do artigo 162 do CPC); em consequência, o recurso cabível, em hipóteses como essa, é o agravo (artigo 522 do CPC).”

Quanto à aplicação do princípio da fungibilidade, a magistrada não acolheu as alegações da genitora e destacou que, se “fundada dúvida havia, até mesmo para afastar qualquer indício de má-fé, a opção deveria ser pelo agravo, cujo prazo para interposição é menor que o da apelação, e que não tem, em regra, efeito suspensivo”.

Guarda compartilhada

A Terceira Turma, em julgamento de grande repercussão ocorrido em 2017, reconheceu a possibilidade de guarda compartilhada mesmo no caso de haver graves desavenças entre o ex-casal. A decisão foi uma forma de manter ativos os laços entre pais e filhos após a separação do casal e evitar possíveis casos de alienação parental.

Segundo os autos, o ex-cônjuge agrediu fisicamente a mãe de suas filhas e, por esse motivo, ficou proibido de se aproximar dela e de entrar em contato, por qualquer meio de comunicação, com a ex-mulher ou seus familiares, o que o impediu também de conviver com os filhos.

Em sua defesa, o pai sustentou que estaria havendo alienação parental, que nunca houve violência contra as crianças e que seus desentendimentos com a mãe não o tornavam inapto para exercer o poder familiar. Além disso, alegou que o estudo social realizado indicou a guarda compartilhada.

Melhor interesse  

Em voto-vista, o ministro Villas Bôas Cueva afirmou que, ao analisar os casos relativos à disputa por guarda dos filhos, o magistrado deve buscar compatibilizar as normas existentes no ordenamento jurídico, a partir dos princípios e valores constitucionais, para que assim, após a ponderação do caso concreto, chegue a um resultado justo à luz do melhor interesse da criança.

No caso analisado, o ministro ressaltou que o pai tinha plenas condições de participar da criação das filhas, já que a violência doméstica cometida contra a ex-esposa não envolveu as crianças em momento algum – ao contrário, em todos os laudos presentes nos autos, elas demostraram amor pelo genitor.

“A medida protetiva fixada com base na Lei Maria da Penha (Lei 11.340/2006), imposta judicialmente, não abrangeu as crianças, visto inexistir risco potencial ou efetivo. Saliente-se, por sua vez, que se deve evitar que a mencionada lei sirva como instrumento de retaliação a um dos pais por meio dos filhos”, declarou o ministro.

Poder familiar

O magistrado destacou ainda – concordando no resultado, mas divergindo nos fundamentos com a relatora, ministra Nancy Andrighi – que não é necessária a destituição ou suspensão do poder familiar de um dos genitores como requisito para afastar-se a guarda compartilhada.

“Salvo melhor juízo, um genitor inapto para exercer a guarda compartilhada, seja por questões geográficas, seja por impedimento insuperável, não pode ser alijado do poder familiar, condição que lhe é própria. Aliás, é também um direito do filho conviver com seu pais, ainda que a guarda fique sob a exclusividade de apenas um deles, poder que não cede à guarda unilateral.”

Perícia psicossocial

Outro caso envolvendo o tema foi julgado na Sexta Turma, sob a relatoria do ministro Sebastião Reis Júnior. Um homem foi acusado de ter constrangido sua filha de 6 anos à prática de atos sexuais, sendo condenado à pena de 14 anos de reclusão em regime inicial fechado.

O pai alegou que o tribunal de origem, ao manter a condenação a ele imposta na primeira instância, violou o princípio do contraditório e da ampla defesa, bem como a Lei 12.318/2010, visto que ignorou a falta da perícia psicossocial requisitada pela defesa. Sustentou também a invalidade do laudo psicológico, por inaptidão da perita.

Além disso, afirmou que as declarações da filha eram falsas, fruto de alienação parental praticada pela genitora contra a criança, e que esse aspecto não foi avaliado pelo tribunal local.

Meios de prova

Em seu voto, o relator apontou a impossibilidade de reavaliação do acórdão recorrido com a finalidade de comprovação da existência da alienação parental – sob pena de incorrer na vedação imposta pela Súmula 7/STJ. Quanto à alegação de nulidade pela inexistência do laudo psicossocial, o ministro ressaltou que, se o objetivo do exame pericial pedido pela defesa já houver sido atingido por meio de outra prova, não há que se falar em ilegalidade.

“Sucede que, nesse aspecto, não diviso nenhuma ilegalidade, pois, se objetivo do exame pericial (psicossocial) indeferido pelo juízo processante, qual seja, avaliar a existência de eventual alienação parental, foi alcançado mediante outro meio de prova (laudo psicológico), não há se falar em prejuízo à defesa, consequentemente, inviável pronunciar a nulidade na hipótese”, afirmou o relator.


Por: Livio Sabatti

Publicado em: 3 de novembro de 2020

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